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por Carlos Bocuhy Desestimular o financiamento da velha economia fóssil é um dos caminhos mais eficientes para descarbonizar o planeta. De outro lado, é preciso impulsionar finanças voltadas à sustentabilidade. Não é o que acontece no Brasil, o país sede da COP30 que ocorrerá em Belém do Pará no fim de 2025. A discussão nas COPs tem sido sobre a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis, os maiores causadores do aquecimento global. Mas na COP29 do Azerbaijão, que terminou recentemente, essa pauta, vital para a resolução climática, foi jogada debaixo do tapete. O Brasil não é, a rigor, um petroestado, mas vem se comportando como se quisesse ser. Atualmente os combustíveis fósseis recebem 82% dos subsídios do governo para energia, segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Em 2023 o valor do subsídio foi de R$ 99,81 bilhões, alta de 3,57% com relação a 2022. Em 2023 as energias renováveis ficaram com apenas R$ 18,06 bilhões (18,10% do total). O Fundo Monetário Internacional (FMI) destaca que os subsídios globais aos combustíveis fósseis atingiram um recorde de US$ 7 trilhões (R$ 34,17 trilhões) em 2022, aumento de US$ 2 trilhões (R$ 9,76 trilhões) sobre os dois anos anteriores. Esse valor representa mais de cinco vezes a quantia de US$ 1,3 trilhão solicitada pelos países pobres na COP29 para promover sua transição energética e estruturar processos de adaptação aos efeitos catastróficos das mudanças climáticas. Por que é tão importante financiar a transição dos países pobres e em desenvolvimento? Simplesmente porque serão estes países que, em processo de crescimento na próxima década, aumentarão expressivamente suas emissões e poderão tornar inviável os processos ora adotados para estabilizar a temperatura global. O Acordo Climático de Paris vem sendo avaliado equilibrando os custos de sua implementação com os benefícios de evitar impactos à sociedade. Essa avaliação ocorre formalmente por meio de análises de custo-benefício, bem como informalmente através da percepção pública dos custos de atenuação de danos. É fator desestruturante e um ato de deseconomia climática privilegiar, por meio de investimentos e subsídios, os combustíveis fósseis, o que só se explica pelo enorme lobby do setor junto a governos e instituições financeiras. A Petrobras acaba de anunciar R$ 20 bilhões em dividendos extraordinários para seus acionistas. O insustentável avanço da economia fóssil não para por aí. Os cinco países (incluindo a coalizão da União Europeia) que mais lançam Gases Efeito Estufa (GEE) na atmosfera também são os que mais gastam em armamentos, denotando uma geopolítica belicista complexa, onde é importante manter aparato militar de alto carbono e a suficiência energética baseada majoritariamente na velha matriz fóssil. Os maiores responsáveis pelo lançamento de GEE são China, Estados Unidos, Índia, União Europeia e Rússia. Conjuntamente lançaram, em 2023, cerca de 60 % dos GEE globais, e juntos gastaram US$ 1,44 trilhão em orçamento militar, cerca de 60% dos US$ 2,44 trilhões de gastos globais. Assistimos globalmente à prática da busca de segurança nacional lastreada em uma geopolítica às avessas. Não resta dúvida de que a estabilidade geopolítica global futura estará diretamente ligada à capacidade de sobrevivência dos países em recursos naturais basilares, como água e produção agrícola. A história é velha. Ao final da guerra fria, nos idos de 1988, Mikhail Gorbachev já insistia, junto às Nações Unidas, que a paz no futuro dependeria da manutenção das condições vitais do planeta, pois estados de escassez regional potencializariam conflitos pela posse de recursos naturais, como, por exemplo, a água. Desde então a situação se agravou. Um dos fatores que mais colocam em risco a sustentabilidade regional e a regularidade de produção hídrica natural são os efeitos climáticos, que potencializam fatores como secas e desertificação, que afetarão a sustentabilidade hídrica e qualidade do solo propício à agricultura. Também serão mais vulneráveis os desprovidos de boas condições econômicas, como, por exemplo, países da África, ao sul do deserto do Saara. Diante deste contexto de forte influência dos combustíveis fósseis, como pavimentar os caminhos para a COP30 de Belém do Pará, que estará sob a coordenação do Brasil? Quais seriam as medidas mais acertadas a serem tomadas pelo governo brasileiro para potencializar ações necessárias, utilizando sua prerrogativa de coordenação dos trabalhos? Em primeiro lugar é preciso analisar a dinâmica das conferências, especialmente observando como o fator humano envolvido foi compelido a acolher resultados insuficientes na COP29. Segundo publicação do Le Monde, "o processo produz um resultado em que todos ficam infelizes", diz Tosi Mpanu-Mpanu, negociador climático da República Democrática do Congo há quinze anos. Ele denuncia um lado "esquizofrênico" das conferências climáticas, durante as quais os negociadores, exaustos, acabam aceitando, após um ou dois dias de prolongamento das negociações, uma decisão apresentada como pegar ou largar. É preciso evitar a política do fato consumado. A dinâmica e a agenda são prerrogativas da presidência, ou seja, do país anfitrião. No caso da COP29, a presidência era do petroestado do Azerbaijão, que esperou até o dia oficial de encerramento, sexta-feira, 22 de novembro, após duas semanas de negociações, para apresentar um primeiro objetivo quantificado para a ajuda financeira aos países em desenvolvimento, que era o elemento central da conferência. O acordo, obtido às pressas dentro do consenso possível e sob o signo do petróleo, foi imediatamente contestado por alguns dos países incluindo Índia, Cuba, Bolívia e Nigéria. A COP29 nos ensinou que é preciso avançar em mecanismos institucionais, já que não podemos substituir as conferências climáticas por outro meio de debate global formal sobre o clima. Então, como elas podem ser melhoradas? Em uma carta aberta enviada em 15 de novembro aos países e à Organização das Nações Unidas (ONU), o Clube de Roma, bem como personalidades da área climática, como Al Gore e Ban-Ki-Mon, pede uma "revisão fundamental das COPs" para preservar um "futuro habitável" para a maioria dos humanos. Esses especialistas primeiro propõem revisar o processo de eleição das presidências da COP. Eles querem a implementação de "critérios rígidos de elegibilidade" para "excluir" os países que não apoiam a transição dos combustíveis fósseis, a principal causa do aquecimento global. É preciso considerar que, no mundo atual, na era de possível inflexão de ecossistemas vitais, somos remetidos para uma necessidade imperiosa de mapear e questionar os fluxos financeiros da insustentabilidade, que continuam cada vez mais ativos em detrimento da prioridade de eleger salvaguardas humanitárias para enfrentar as alterações climáticas. Nesse contexto, será preciso uma profunda reflexão sobre a dinâmica de funcionamento das cúpulas climáticas globais, desde a composição de representantes e da eleição da presidência, de forma a eliminar o basilar conflito de interesses que tem sido permitido, com a presença e participação de lobistas do petróleo, sua realização em petroestados, o que tem contribuído para fragilizar o objetivo de estabelecer metas progressivas para o banimento dos combustíveis fósseis. De outro lado é preciso rever os critérios estabelecidos, como a necessidade de consenso nas deliberações. Desde a primeira conferência sobre o clima, em 1995, a presidência alemã apoiou a introdução de uma regra de votação de dois terços, a fim de desbloquear as negociações como último recurso, o que foi bloqueado devido à oposição de países ricos em petróleo, notadamente Arábia Saudita e Kuwait, aconselhadas por lobistas americanos de combustíveis fósseis. “Ao longo dos anos, inúmeras decisões foram abandonadas, diluídas ou adiadas devido a um punhado muito pequeno de objeções", diz Joanna Depledge, pesquisadora da Universidade de Cambridge. Leia mais: Como as COPs, conferências climáticas acusadas de perpetuar a inação, podem ser reformadas Diante dos 30 anos de realização das COPs, de seu ritmo lento diante da emergência climática e a comprovada insuficiência no histórico de suas decisões, merece profunda reflexão o modelo atualmente adotado e a necessidade imediata de reforma de seu regramento interno, incluindo a dinâmica das reuniões preliminares, a escolha de países-sede livres de conflitos de interesse, os critérios de participação que priorizem o bem comum em detrimento de interesses lobísticos e livres do engessamento da deliberação consensual, evitando, assim, táticas de obstrução unilateral que empurram as conferências para fatos consumados e a exaustão rumo à lógica de resultados possíveis – e sofríveis. A lição de casa do Brasil vai além de coordenar adequadamente a conferência nos moldes atuais. É fundamental propor as reformas necessárias para que as cúpulas climáticas possam realizar sua vocação de garantir futuro seguro para a humanidade.
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